Você sabe o que aconteceu no dia 02 de fevereiro de 1965?
Selecionamos, aqui, alguns trechos da obra “Itajaí em Chamas”,
de Magru Floriano; que, através de longa pesquisa, retratou o fatídico
02 de fevereiro de 1965, quando um incêndio em um navio petrolífero, no
Terminal da Heliogás, em Cordeiros; colocou em risco toda a população de Itajaí; vitimando um de seus mais anônimos heróis: Odílio Garcia.
A
Imprensa da época foi acusada de sensacionalista; entretanto, parece
ter cumprido o seu papel, ao trazer informação, com responsabilidade.
Se nada de muito mais grave aconteceu, melhor; porém, há momentos em
que é muito mais importante prevenir do que lamentar. Isso vale como
reflexão, diante de tantas catástrofes que vem abalando o nosso
cotidiano; onde muitos agora lamentam, porque não acreditaram na
prevenção. Muito além do sensacionalismo e do pânico, é questão de
consciência e responsabilidade.
ITAJAÍ EM CHAMAS:
Registra Magru Floriano:
“Por
volta das 21 horas, não só os moradores de Cordeiros haviam abandonado
os seus lares. Os habitantes da Barra do Rio, São João, São Vicente,
Rio Pequeno e até Vila Operária, à mais de 5 kilometros de distância,
abandonaram tudo e dirigiam-se para a Estrada de Brusque e Camboriú.
Mais de 10 mil pessoas, inclusive mulheres e crianças, deixaram os seus
lares numa pavorosa debandada fugindo do calor das chamas que já era
sentido à grande distância.” (A NAÇÃO, 4/02/65, pág.07)
O INCÊNDIO:
O
navio Petrobras Norte entrou na barra do rio Itajaí-açu no dia dois de
fevereiro de 1965 e no mesmo instante em que aportou no Terminal
Marítimo da Heliogás, localizado no bairro de Cordeiros, iniciou os
preparativos para a descarga de cerca de 400 toneladas de gás
liquefeito de petróleo.
Apesar
de estar atracado em terminal privativo da empresa Heliogás, também
abastecia a companhia distribuidora Liquigás. Enquanto a Heliogás
possuía seis tanques com capacidade para cerca de 60 toneladas de gás
cada, a Liquigás tinha apenas três tanques de idêntica capacidade de
armazenamento. A Liquigás recebeu primeiro o carregamento. Encerrado o
fornecimento para esta empresa, imediatamente foi iniciado o
abastecimento dos tanques da Heliogás. O incêndio ocorreu quando
faltavam cerca de cinco a dez minutos para o encerramento de toda a
operação.
Na
época, dois procedimentos de segurança eram rigidamente seguidos: só
ficavam a bordo os tripulantes que estavam a serviço e o navio ficava
atracado o tempo estritamente necessário para a operação de descarga do
gás. Portanto, o Petrobras Norte entrou no Porto de Itajaí no dia dois
de fevereiro e tinha saída prevista para aquele mesmo dia. Daí o motivo
pelo qual apenas dez tripulantes estavam a bordo ou nas dependências
das distribuidoras de gás no momento do acidente. Também fica
justificada a ansiedade de Odílio Garcia em ver terminada a descarga do
navio para, no curto prazo de tempo entre o final dos trabalhos de
descarga e os procedimentos para a saída do navio (que dependia da
tábua da maré), poder ver seus familiares que residiam no bairro Vila
Operária. Para ganhar tempo, chegou a deixar encomendada a corrida de
táxi. Queria fazer uma surpresa a todos.
O
navio Petrobras Norte foi construído na Alemanha em 1955, empregava uma
tripulação de 26 homens e era comandando por Agnaldo Braga. Estava
incorporado à Fronape – Frota Nacional de Petroleiros, empresa
vinculada à Petrobras. Em Itajaí, os navios da Fronape eram agenciados
pela Companhia Comércio e Indústria Malburg, mas logo após o sinistro
(dia 27 de fevereiro) a empresa comunicou à praça que transferiu o
agenciamento dos seus navios à Navegação Antônio Ramos S/A.
O
Petrobras Norte tinha uma rota que incluía os portos de Salvador, Rio
de Janeiro, Itajaí e Porto Alegre. Sua base operacional estava
localizada no Porto do Rio de Janeiro. Em Porto Alegre, descarregava em
média 800 toneladas de gás. E foi neste porto que Odílio Garcia
embarcou no navio entre os dias 16 e 20 de janeiro de 1965, em
substituição ao bombeador que ficara seriamente enfermo.
CAUSAS DO INCÊNDIO:
[...]
o Tribunal Marítimo arquivou o processo número 5.469, que buscava as
causas do incêndio no petroleiro. Não havia provas suficientes para
responsabilizar alguém: “os incêndios, segundo a maioria dos autores,
destroem as provas que conduziriam a conclusões inapeláveis.”
Muitas
pessoas acreditam que a causa inicial do incêndio tenha sido a queda,
dentro do navio, da parte incandescente de fogo de artifício lançado
pelo passageiro de uma embarcação que acompanhava a procissão marítima
em homenagem à Nossa Senhora dos Navegantes. Esta versão ganha força
justamente porque o incêndio ocorre quase que imediatamente após o
barco que ia à frente, conduzindo a imagem da santa padroeira, passar
pelo terminal no seu trajeto de retorno ao centro de Navegantes.
Contudo,
a versão mais lembrada nos depoimentos é aquela que aponta como causa
principal do acidente o rompimento da mangueira por onde era
transferido o gás do navio para os terminais da Liquigás e Heliogás.
Confirmar esta versão, contudo, é aceitar o fato de que houve falha
humana, uma vez que o rompimento do conduto se deu porque, ao baixar a
maré, o cabo que mantinha o navio próximo ao terminal afrouxou,
possibilitando que a embarcação se afastasse do cais e esticasse em
demasia a mangueira que, não suportando a pressão, arrebentou.
MORTOS E FERIDOS:
Embora
todos associem o incêndio do Petrobras Norte apenas à morte de Odílio
Garcia, infelizmente mais pessoas perderam suas vidas naquele dia
fatídico. Segundo consta nas notas oficiais publicadas nos jornais pelo
Corpo de Bombeiros e pela Petrobras, ao todo cinco pessoas perderam a
vida no incêndio.
Apesar
de os jornais e as instituições oficiais do Estado divulgarem listas
com nomes diferentes e até trocados, como é o caso de Jonas Tenório
Cavalcante, que aparece em algumas listas como João Tenório Cavalcante,
com certeza cinco tripulantes do Petrobras Norte morreram em
decorrência do sinistro. São eles: Odílio Garcia (bombeador), Jonas
Tenório Cavalcante (marinheiro), João de Melo (contra-mestre),
Sebastião Wanderley Cordeiro (terceiro-maquinista) e Antonio Alves de
Oliveira (chefe de cozinha).
Odílio
Garcia faleceu nas dependências do Hospital Marieta Konder Bornhausen,
enquanto que o chefe de cozinha do Petrobras Norte, Antonio Alves de
Oliveira, (que foi internado em Itajaí, mas posteriormente foi
transferido para o Rio de Janeiro para continuar o tratamento de saúde)
faleceu meses depois no Estado da Guanabara, tendo como causa imediata
os ferimentos sofridos durante o incêndio, uma vez que inalou muito gás
e teve o funcionamento de seus pulmões completamente comprometido.
Jonas Tenório Cavalcante, João de Melo e Sebastião Wanderley Cordeiro,
morreram no local do sinistro. Pelo menos dois deles tiveram seus
corpos recolhidos das águas do Itajaí-açu.
Por
outro lado, foram internados no Hospital Marieta Konder Bornhausen, com
ferimentos que não apresentavam risco de vida, os tripulantes Edson
Florêncio dos Santos (imediato), José Morais (marinheiro) e José
Justino de Oliveira (cabofoguista), além de Adolfo Manoel de Freitas
(funcionário da Heliogás). Já o bombeiro da Liquigás, João da Rocha,
foi internado em um hospital na cidade de Blumenau.
DEPOIMENTOS:
ARISTILIANO LADISLAU DE MELLO:
Para
mim o incêndio ocorreu no dia 31 de janeiro de 1965 e não no dia dois
de fevereiro como dizem. Eu ia tocar uma “soirée” em Balneário Camboriú
e, quando cheguei na rua Blumenau para pegar o ônibus para ir até a
rodoviária, eu ouvi uma gritaceira e voltei para casa. Estava tudo
interditado. Não tinha mais ônibus circulando devido ao engarrafamento.
Foi um desespero total, com gente correndo e gritando. Teve um vizinho
meu, o seu Antônio, que colocou a gaiola com o seu passarinho de
estimação no bagageiro da bicicleta e sumiu. A minha mãe estava vindo
de trem de Rio do Sul e, ao chegar na estação de Gaspar, ela viu o
clarão da explosão do navio. Naquela mesma
noite, escutei na Rádio Nacional o Repórter Esso, com Heron Domingues,
dizendo que Itajaí estava em estado de calamidade pública devido a uma
catástrofe. A Rádio Nereu Ramos, de Blumenau, veio a Itajaí fazer a
cobertura da tragédia com o Nelson Rosenbrock ou o Rodolfo Sestren
(fiquei um pouco em dúvida). Na Rádio Clube, um dos locutores que mais
atuou na cobertura do incêndio foi Marinho Lopes Stringari. (Depoimento
concedido em 2002)
EDISON D’ ÁVILA:
Eu
tinha cerca de 17 anos quando aconteceu o incêndio do navio. Morávamos
na Vila (na Rua José Eugênio Muller, próximo ao Lito Seara) e, no final
da tarde do feriado consagrado a Nossa Senhora dos Navegantes, fomos
surpreendidos por um imenso clarão no céu da cidade (eu não me lembro
de ter ouvido estrondo). Logo em seguida, nos inteiramos um pouco mais
sobre o episódio através das rádios. Elas colocaram no ar sucessivos
“plantões extraordinários” e abriram cada vez mais espaço em suas
programações para os comentários dos locutores que visitavam o local da
tragédia e traziam as informações. Assim ficamos sabendo que se tratava
de um incêndio, de grandes proporções, em um navio carregado de gás. Os
locutores alertavam a população para a possibilidade de o navio de gás
explodir, levando pelos ares os terminais de derivados de petróleo
localizados na região de Cordeiros, colocando toda a cidade em enorme
perigo.
O comentário na vizinhança era de que
toda a cidade seria arrasada e o petróleo incandescente escorreria
pelas ruas da cidade. Diante da hipótese de ocorrer uma verdadeira
catástrofe, muitas pessoas abandonaram as regiões Norte e Centro da
cidade, procurando a estrada de Brusque ou a região da Fazenda, bem
como os municípios vizinhos de Balneário Camboriú e Vila de Camboriú.
O
meu pai fez contato com meus tios, e eles decidiram que nós devíamos
fugir para Balneário Camboriú. Para a casa de um amigo da família. Só
que não tínhamos como fugir. Fomos a pé, correndo ou em passos
apressados, da Vila Operária até a rodoviária, que ficava no centro da
cidade (no atual Centro de Abastecimento Prefeito Paulo Bauer).
Levávamos apenas algumas sacolas de roupa e alguns valores que tínhamos
em casa.
Ao chegar no local, pudemos
constatar que a rodoviária já estava apinhada de gente querendo
passagem para Camboriú e adjacências.
Os
ônibus saíram cheios, mas meu pai conseguiu as passagens e fomos para
Balneário Camboriú. Dormimos em Balneário e de lá acompanhamos o
noticiário pelo rádio, oportunidade em que ficamos sabendo que a cidade
havia sido salva pela ação de um marinheiro que tinha fechado a
mangueira e, nesta operação heróica, tinha comprometido a sua própria
sobrevivência, estando internado em estado grave no Hospital Marieta. (Depoimento concedido em 2002)
MARIA ROSA HELENO SCHULTE:
Depois de dois dias,
eu fui me apresentar na escola isolada de Cordeiros (começamos as
reuniões para preparar o início do semestre letivo) e as crianças
contavam suas histórias e da família. Muitos fugiram a pé para Toca da
Onça (São Roque) e Espinheiros.Teve um menino que contou que a mãe foi
no galinheiro e pensou em primeiro lugar em garantir a comida da
família. Outro contou que o pai, na pressa de fugir, ficou esfolado em
uma cerca de arame, machucando o peito. No outro dia, ao retornarem às
suas casas, muitas pessoas passavam pelo pasto de Cordeiros para
procurar sapato, roupa e coisas que caíram na corrida por dentro do
mato e do vassourão. Correram todos, pobres e ricos, do bairro e do
centro. (Depoimento concedido em março de 2002)
NOEMI DOS SANTOS CRUZ:
Naquele
final de tarde estava voltando de Porto Belo para Itajaí. Próximo à
região da Praia Brava percebi que algo anormal estava ocorrendo, porque
um grande número de pessoas, inclusive pedestres e ciclistas, se
dirigiam a Balneário Camboriú.
Quando cheguei no topo do Morro Cortado, vi um grande clarão sobre a cidade e exclamei:
- “Meu Deus, Itajaí está pegando fogo!”
(Depoimento concedido em novembro de 2001)
PAULO MAES:
Eu
e meus amigos estávamos no Cine Luz, quando saímos do cinema e
escutamos as pessoas dizendo que havia ocorrido uma explosão. Nós
pegamos o ônibus às 20h30min, descemos na Rua Blumenau e começamos a
encontrar muitas pessoas vindo em sentido contrário, carregando seus
pertences.
Ao
entrar em casa, vi todos muito apreensivos, e meus pais queriam reunir
a família, a fim de deixarem o local. Mas, no final, meu pai decidiu
ficar ali no bairro São João mesmo. Então, escapei pelos fundos da casa
e fui em direção a Cordeiros para ver o que de fato estava acontecendo.
Quanto mais me aproximava, mais pessoas eu encontrava dizendo para eu
voltar.
Fui
até a ponte velha, ela tinha uma grande elevação e de cima dela
consegui ver realmente o que estava acontecendo. Ali, também pude
observar o trabalho dos radialistas que assustavam as pessoas, dizendo
que tudo iria explodir. Estimulavam as pessoas para que corressem.
Um
radialista em especial me chamou a atenção por ser folclórico, gostava
de fazer sensacionalismo. Ele gritava no microfone com pavor e emoção,
fazendo quem estava escutando a rádio se sentir cada vez mais próximo
do fim. Era o Manuel Vieira, o Vieirinha, locutor esportivo da Rádio
Difusora, que narrava o fato como se fosse uma partida de futebol.
O
calor era muito intenso e no local tinha vários tanques de combustíveis
e vários cilindros de gás. Eu me lembro das grandes labaredas que se
formavam e que aos poucos foram sendo apagadas pelos bombeiros de toda
a região. (Síntese do depoimento concedido à jornalista Bianca Aline
Rossi em 2001)
VALDIR COELHO:
Eu
trabalhava domingo sim, domingo não. Naquele dia, havia uma chuva miúda
e roncava trovoada. A gente não tinha terminado a descarga do navio
quando o mangote arrebentou. Ninguém sabe como isso aconteceu, mas eu
digo que o navio se afastou um pouco da margem e forçou o mangote. A
pressão do gás fez o tubo ficar saracoteando, batendo no casco do
navio, e qualquer faísca pode ter iniciado o fogo. Daí veio a primeira
explosão. As chamas e o calor eram tão fortes que ninguém conseguia
fechar a saída do gás. Era preciso atravessar uma parede de fogo para
chegar ao registro principal do petroleiro [...]
O
Odílio morreu na mesma noite. Ele evitou que fosse tudo pelos ares
naquela hora, mas o fogo não apagou [...] O Corpo de Bombeiros de
Itajaí havia chamado as guarnições de Florianópolis, Blumenau e
Joinville para combater o incêndio. Quanto mais água se lançava no
fogo, mais as chamas levantavam. As explosões continuavam ... Como não
havia o que fazer pelo navio, decidimos utilizar a água para esfriar
nossos tanques, que já estavam superaquecidos. Eu fui até em casa –
morava em Cordeiros, como a maioria dos funcionários das empresas de
combustível -, e minha família já estava se preparando para fugir.
Ajudei a por umas coisas no caminhão e voltei para a empresa. O calor
era insuportável, ninguém sabia por quanto tempo ainda dava para evitar
a explosão dos reservatórios [...]
Passei
a noite tentando esfriar os tanques [...] Comíamos sanduíche com
Coca-Cola que a Liquigas distribuía. Chegaram as pessoas da diretoria
de São Paulo e pediram para a gente ficar e fazer o que era possível. O
incêndio foi até filmado. A cada explosão estouravam os vidros do
escritório da empresa. Era um inferno, quase todo o bairro estava vazio
[...] Eu tinha levado meu radinho de pilha para acompanhar os
noticiários de esporte no domingo e acabamos escutando as notícias. O
pessoal mandava todo mundo fugir, diziam que o bairro inteiro iria
explodir. Daí foi uma correria ainda maior. Minha mãe, que morava a 40
quilômetros dali, ficou apavorada. Ela também acompanhava as notícias e
notou que muita gente passava pela estrada do Ribeirão do Meio. [...] O
pessoal se meteu no meio do mato, teve gente que até se perdeu. Os
caras da rádio fizeram o maior alarde, apavoraram meio mundo.
(Depoimento concedido à jornalista Tayana Cardoso de Oliveira em 1987)
SÍLVIO KURTZ:
Eu
estava em casa, quando ouvi pelo rádio o pessoal do plantão de notícias
me convocando para cobrir o incêndio. Acontece que eu morava na Osvaldo
Reis (na Figueirinha, hoje mais conhecida como Fazendinha). Tentei
chegar no prédio da Rádio Clube (que ficava na Rua Pedro Ferreira,
esquina com a Samuel Heusi) o mais rápido possível, mas, mesmo de
Lambreta, foi muito difícil porque o povo estava descendo de Cordeiros
para o Centro em grande número.
Na
rádio, me inteirei dos detalhes e segui, em companhia do Marinho Lopes
Stringari, até Cordeiros. O maior problema foi o trânsito na Rua
Blumenau, que ficou engavetado por horas. Como nós estávamos de
Lambreta, muitas vezes conseguimos passar na contramão e por cima da
calçada, e fomos em frente. O pessoal que estava deixando a Zona Norte
da cidade insistia para que não fôssemos para o local. Um ouvinte me
aconselhou: “Volte, Sílvio! Pelo amor de Deus, vai explodir tudo”.
Lá
em Cordeiros conseguimos conectar o nosso equipamento ao telefone do
terminal da Shell e transmitimos o primeiro boletim por volta das
18h40min ou 19 horas.
A
impressão que tínhamos, devido ao clarão e ao calor, era que toda a
Liquigás estava pegando fogo. Eu lembro ainda que, no momento que
estávamos preparando nosso equipamento, uma pessoa nos alertou sobre o
perigo que estávamos correndo, porque podia pegar fogo em tudo: “Saiam
daqui porque Cordeiros pode sair do mapa”.
Eu
não tinha dúvida de que a situação era grave, por isso mesmo eu pedi
pelos microfones da Rádio Clube que o povo evacuasse Cordeiros. Na
minha opinião a cidade não corria tanto risco, mas Cordeiros sim, com
certeza. Eu realmente usei por diversas vezes a expressão: “Por
favor, corram! Deixem suas casas! Cordeiros pode sair do mapa. Corram,
porque se o fogo se alastrar Cordeiros vai sair do mapa!”. Eu tinha
de falar isso, porque realmente a situação era desesperadora. O que
víamos era muito sério. Quem estava tão próximo do incêndio não tinha
como não usar essa expressão de pavor, porque o fogo refletia na água e
dava a impressão de que vinha para cima da gente. Era algo realmente
muito forte e desesperador.
Depois
de transmitir o boletim pelo telefone da Shell, seguimos para o porto
da balsa, porque do local podíamos visualizar melhor o que estava
ocorrendo na Liquigás. Nesse momento, vimos algumas explosões e muita
gente correndo. Entrevistamos algumas pessoas e encerramos a
transmissão. A Rádio continuou dando cobertura do incêndio, contando
com a participação de ouvintes que telefonavam para o estúdio.
Quando
voltei para casa, pude observar que o Morro Cortado tinha virado uma
grande arquibancada. O povo da região e um grande número de pessoas que
tinham abandonado suas casas na Zona Norte ficaram no local, porque
dali podia se ver muito bem Cordeiros. No dia seguinte a Clube
continuou a divulgar os fatos referentes ao incêndio do Petrobras
Norte, apesar da dificuldade que nosso pessoal encontrou para chegar ao
local. Marinho Stringari, Afonso Luiz e Ribeiro Luz foram até Cordeiros
e falaram por telefone, orientando a população para voltar às suas
casas, enquanto que eu e o Osvaldo Vieira ficamos no estúdio da Rádio.
(Depoimento concedido no mês de maio de 2002)
A IMPRENSA - Sensacionalismo:
O
veículo de comunicação de massa da época era o rádio. A televisão ainda
não tinha chegado à Itajaí e os jornais sofriam sérias dificuldades
técnicas, tanto no setor de impressão quanto no de distribuição. Basta
lembrar que o principal jornal diário que circulava em Itajaí era A
Nação, que simplesmente não circulou no dia três de fevereiro, porque
no dia dois, uma terça-feira, foi feriado nas cidades de Itajaí e
Navegantes.
A
penetração do rádio junto à comunidade local realmente era intensa.
Para se ter uma noção exata da influência do rádio sobre o
comportamento das pessoas e das instituições, basta lembrar que a
Guarnição do Corpo de Bombeiros de Blumenau já estava preparada para se
lançar em socorro à cidade de Itajaí até mesmo antes de receber um
comunicado oficial do Governo do Estado e dos próprios bombeiros de
Itajaí. Segundo se comenta, ao ouvirem o radialista Afonso Luiz dar seu
primeiro depoimento na Rádio Nereu Ramos, os bombeiros blumenauenses já
tinham se motivado a promover esta arriscada empreitada.
Por
muito tempo os radialistas de Itajaí foram acusados de terem promovido
uma cobertura sensacionalista dos acontecimentos. Algumas autoridades,
mais exaltadas, chegaram a afirmar que o comportamento leviano dos
profissionais do rádio colocou em perigo a vida de milhares de cidadãos
itajaienses. Os dois principais jornais de Itajaí, Jornal do Povo e A
Nação, foram unânimes em condenar esta prática jornalística,
principalmente o jornal A Nação.
O
jornal A Nação, por exemplo, publicou diversas matérias sobre o
assunto, que mereceu manchetes do tipo: “MUITA BALBÚRDIA E
SENSACIONALISMO”, ou “HOUVE MUITO SENSACIONALISMO”, e “ONDA DE
SENSACIONALISMO EM TORNO DO INCÊNDIO OCORRIDO A BORDO DO NAVIO DE GAZ
NORDESTE”
A
imprensa nacional também deu destaque para o incêndio do Petrobras
Norte. A principal revista brasileira da época O Cruzeiro, por exemplo,
publicou com destaque uma matéria assinada pelo jornalista Tito Tajes,
com fotos de Umbelino Cidral (Beline) e de Vicente Brigoni, do
laboratório “Foto Mara”.
"O CRUZEIRO" PELO BRASIL E PELO MUNDO:
“O
PROPANEIRO Petrobrás-Norte, atracado no rio Itajaí-Açu, estava
cumprindo normalmente sua missão: fizera escala naquele porto para, em
seguida, demandar Porto Alegre, depois de descarregar 350 toneladas de
gás liquefeito. À tarde, enquanto o gás era bombeado para os tanques de
terra, passara pelo barco a procissão fluvial dos Navegantes,
conduzindo a imagem da Santa protetora dos homens do mar. O propaneiro,
unindo-se ao Coro de apitos dos navios ancorados, saudou-a
festivamente. Quase noitinha, a satisfação dos tripulantes aumentara,
quando o Comandante anunciou o adiamento da partida. Principalmente, o
bombeador Odílio Garcia ficou muito alegre, pois poderia visitar sua
família, mãe e oito irmãos, em Itajaí, e participar também em terra da
festa da Padroeira dos Navegantes.
As
vinte horas soaram, porém, fatidicamente. Explosões violentas sacudiram
o cais e a redondeza, chamas gigantescas subiram ao céu na terminal de
gás das companhias Heliogás e Liquigás. Houve o alarme e o pânico: a
alguns quilômetros da terminal, depósitos da Shell, Esso e Atlantic
poderiam ser contaminados, com a violência das chamas. A bordo a luta
era contra o fogo e pela vida. Dos seis tripulantes da descarga apenas
três apareceram, inclusive Odílio Garcia, que se lançou heroicamente às chamas para fechar as válvulas, gesto que lhe custou a vida horas depois, vítima de terríveis queimaduras.
O
navio continuou a arder toda a noite e só no dia seguinte pôde ser
rebocado para lugar ermo, ainda com 500 toneladas de gás nos tanques
abaixo da linha de flutuação. Na explosão do Petrobrás-Norte, em cuja
proximidade se encontrava o petroleiro Paraná, morreram ainda mais dois
companheiros de Odílio, o audacioso herói que, com sua bravura, salvou
talvez Itajaí de um pavoroso incêndio de proporções gerais.”
CONCLUSÃO:
Ao
voltar nossos olhares para o que aconteceu no dia dois de fevereiro do
ano de 1965 é bom lembrarmos também que a cidade de Itajaí mudou
substantivamente nestes anos, em especial no setor econômico. Naquela
época Itajaí era um grande depósito de madeira. Os bairros São João e
Vila Operária, e até várias áreas que hoje integram o centro da cidade,
como é o caso da Avenida Marcos Konder e a tradicional Rua Uruguai,
abrigavam madeireiras que mantinham pátios cobertos por longas e altas
pilhas de madeira que eram exportadas para praticamente todos os
continentes, em especial a Europa.
Na
década de 60, a população de Itajaí estava estimada em cerca de 60 mil
habitantes, sendo que dois terços vivia na zona urbana. Seu porto
experimentava um período de expansão, justamente devido ao ciclo da
madeira.
Então,
ao analisarmos os fatos ocorridos em dois de fevereiro não podemos
deixar de ter em mente a geografia econômica da cidade. Diante da
possibilidade de o fogo ser trazido pela correnteza do rio até o centro
da cidade, parece inevitável prever o pior, ou seja, que o fogo teria
grande facilidade de tomar as áreas ribeirinhas e em seguida atingir as
incontáveis pilhas de madeira, pondo em risco a vida de todos.
Temos
de lembrar ainda, que em ocasiões como estas, não só o fogo oferece
perigo para as pessoas, mas outros elementos também contribuem para
piorar a situação, como é o caso do próprio desespero de uma grande
quantidade de pessoas (que acabam tomando atitudes sem qualquer
racionalidade, dominadas pelo pânico). Outro ponto a considerar seria a
intoxicação de muitas pessoas pela grande quantidade de fumaça oriunda
da queima da madeira.
Assim,
não nos parece terem sido descabidas ou sensacionalistas as orientações
prestadas à população por parte dos locutores de rádio. Agora, passados
tantos anos, se torna mais complexo entender seus motivos, porque as
circunstâncias felizmente conspiraram contra a ocorrência de uma grande
catástrofe. Mas poderia ter sido diferente. E se assim fosse, Sílvio
Kurtz, Afonso Luiz, Vieirinha, Marinho Lopes Stringari e seus
companheiros de microfone, hoje seriam saudados em praça pública como
os heróis que salvaram muitas vidas.
Mas
o Petrobras Norte não explodiu e sequer arrebentou suas amarras indo de
encontro ao Petrobras Paraná. O óleo não desceu rio abaixo, os
terminais e as madeireiras tiveram suas estruturas preservadas e
populares sequer foram intoxicados pela fumaça. Assim, tudo ficou no
campo da hipótese e os radialistas passaram à história como alarmistas
e sensacionalistas. Contudo, sabemos que os voluntários do Corpo de
Bombeiros não tinham equipamentos adequados para combater o incêndio e
sequer tinham recebido treinamento para tal circunstância. Do mesmo
modo, o hospital da cidade não estava preparado para atender um número
expressivo de vítimas. Sendo assim, como prever que tudo ficaria sob
controle? Diante da dúvida, não foi melhor prevenir? Claro que foi! (Magru Floriano)
ODILIO GARCIA - UM HERÓI ANÔNIMO (Émerson Pedro Ghislandi)
Foi
em meados da década de 60. Itajaí, com seus 60 ou 70 mil habitantes,
esboçava os primeiros passos rumo ao desenvolvimento, impulsionado
principalmente pela fecunda atividade pesqueira e pelo seu porto
mercante. Era uma cidade pacata, provinciana, características que até
os dias de hoje, indelevelmente, ainda mantém. Mas naquela época, nem
mesmo a Rua Brusque, uma das principais artérias da cidade, possuía
calçamento. Era ali que minha família morava, há longos anos, e onde a
quietude era quebrada pela passagem, às vezes tímida, às vezes
alvoroçada, de cavalos a puxar carroças ou carros de mola. Eu deveria
ter meus sete anos de idade e de travessuras. De pés descalços, gostava
de brincar na chuva e de sentir o cheiro da terra levantando ao sabor
da água que caía.
Foi
um final de tarde, lembro-me bem. A calmaria foi quebrada por fortes
estampidos, vindos não sabia de onde, mas que chegavam a iluminar as
encostas do Morro da Cruz. Era mágico e assustador ao mesmo tempo. Mas
o que seria aquilo? Era o que todos se perguntavam. Boa coisa não
seria. De repente veio a notícia apocalíptica. Um navio que
descarregava um carregamento de gás nos terminais da Heliogás ardia em
chamas. E o fogo, caso não fosse contido a tempo, tomaria conta da
cidade. A catástrofe se prenunciava porque a Heliogás se localizava
justamente nos Cordeiros, em meio aos terminais petrolíferos da Texaco,
Shell, Ipiranga e Atlantic.
Foram
horas de desespero. As pessoas corriam apavoradas, mulheres carregavam
trouxas de roupas nas costas, filhos nos braços. Caminhões com suas
carrocerias lotadas só tinham um destino: fugir do fogo, fugir da
cidade que seria riscada do mapa. A tragédia estava estampada nos
semblantes aflitos. Um vizinho ofereceu seu caminhão para que
fugíssemos juntos, as duas famílias, para Balneário Camboriú. Mas não
seria para tanto, dizia meu pai, propenso a esperar o desenrolar dos
acontecimentos.
Com
o passar das horas, os reflexos de luzes no Morro da Cruz, contrastando
com o negrume da noite que avançava, foram se amainando, se amainando,
até desaparecerem por completo. Depois se soube. O bombeiro do navio,
encarregado de bombear o gás para os tanques da Heliogás, havia
investido contra as chamas ardentes e fechado as válvulas que davam
vazão ao gás, evitando que a tragédia se consumasse. Logo em seguida ao
ato heróico, ele jogou-se nas águas do rio Itajaí-açu, de onde foi
retirado quase sem vida, com queimaduras generalizadas que cobriam de
bolhas todo o seu corpo. Levado ao hospital, não resistiu e morreu.
Como
prêmio pelo seu heroísmo e coragem, ele teve seu nome dado a uma rua da
cidade. Rua Odílio Garcia, uma rua de subúrbio, no bairro de Cordeiros,
próximo ao local onde, despojando-se do medo, doou a própria vida para
salvar dezenas, centenas, quem sabe milhares de vidas. A empresa onde
Odílio Garcia trabalhava negou à sua família qualquer indenização.
Ofertou sim, ao pai de Odílio Garcia, uma medalha de honra ao mérito
para que fosse colocada no túmulo do filho. Nada mais. E nos anais da
história de Itajaí, nenhuma linha, sequer, foi escrita. Nenhuma
homenagem, nenhum busto. Só restou o esquecimento. (Crônica escrita em
1993, quando Émerson Ghislandi era aluno do Curso de Jornalismo da
Univali)
HOMENAGENS:
Odílio Garcia recebeu poucas, mas marcantes homenagens da cidade onde morou por muitos anos e pela qual deu sua vida.
A
primeira grande homenagem foi realizada no dia 04 de maio de 1965,
quando o prefeito Eduardo Sólon Cabral Canziani sancionou a lei de
número 640, denominando de Odílio Garcia a rua localizada defronte aos
terminais da Liquigás, em Cordeiros.
A
segunda grande homenagem teve início no dia 27 de dezembro de 1999,
quando a Câmara de Vereadores aprovou o Projeto de Lei de número 108/99
denominando o Parque Náutico de Cordeiros como Parque Náutico Odílio
Garcia. No dia 28 de dezembro, o prefeito Jandir Bellini sancionou a
Lei número 3.472 , oficializando a iniciativa da Câmara. Em 02 de
fevereiro de 2000, na presença de todos os familiares de Odílio Garcia,
foi descerrada a placa em sua homenagem na praça do Parque Náutico e
depois promovida uma exposição fotográfica nas dependências da Casa da
Cultura.
(Fonte: http://soupapasiri.blogspot.com - sendo utilizado como sua fonte: Magru Floriano. Itajaí em Chamas. Itajaí: Alternativa, 2002.)
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