sexta-feira, 3 de junho de 2011

O PRENÚNCIO DE UMA TRAGÉDIA:


Você sabe o que aconteceu no dia 02 de fevereiro de 1965?
Selecionamos, aqui, alguns trechos da obra “Itajaí em Chamas”, de Magru Floriano; que, através de longa pesquisa, retratou o fatídico 02 de fevereiro de 1965, quando um incêndio em um navio petrolífero, no Terminal da Heliogás, em Cordeiros; colocou em risco toda a população de Itajaí; vitimando um de seus mais anônimos heróis: Odílio Garcia.
A Imprensa da época foi acusada de sensacionalista; entretanto, parece ter cumprido o seu papel, ao trazer informação, com responsabilidade. Se nada de muito mais grave aconteceu, melhor; porém, há momentos em que é muito mais importante prevenir do que lamentar. Isso vale como reflexão, diante de tantas catástrofes que vem abalando o nosso cotidiano; onde muitos agora lamentam, porque não acreditaram na prevenção. Muito além do sensacionalismo e do pânico, é questão de consciência e responsabilidade.
ITAJAÍ EM CHAMAS:
Registra Magru Floriano:
“Por volta das 21 horas, não só os moradores de Cordeiros haviam abandonado os seus lares. Os habitantes da Barra do Rio, São João, São Vicente, Rio Pequeno e até Vila Operária, à mais de 5 kilometros de distância, abandonaram tudo e dirigiam-se para a Estrada de Brusque e Camboriú. Mais de 10 mil pessoas, inclusive mulheres e crianças, deixaram os seus lares numa pavorosa debandada fugindo do calor das chamas que já era sentido à grande distância.” (A NAÇÃO, 4/02/65, pág.07)
O INCÊNDIO:
O navio Petrobras Norte entrou na barra do rio Itajaí-açu no dia dois de fevereiro de 1965 e no mesmo instante em que aportou no Terminal Marítimo da Heliogás, localizado no bairro de Cordeiros, iniciou os preparativos para a descarga de cerca de 400 toneladas de gás liquefeito de petróleo.
Apesar de estar atracado em terminal privativo da empresa Heliogás, também abastecia a companhia distribuidora Liquigás. Enquanto a Heliogás possuía seis tanques com capacidade para cerca de 60 toneladas de gás cada, a Liquigás tinha apenas três tanques de idêntica capacidade de armazenamento. A Liquigás recebeu primeiro o carregamento. Encerrado o fornecimento para esta empresa, imediatamente foi iniciado o abastecimento dos tanques da Heliogás. O incêndio ocorreu quando faltavam cerca de cinco a dez minutos para o encerramento de toda a operação.
Na época, dois procedimentos de segurança eram rigidamente seguidos: só ficavam a bordo os tripulantes que estavam a serviço e o navio ficava atracado o tempo estritamente necessário para a operação de descarga do gás. Portanto, o Petrobras Norte entrou no Porto de Itajaí no dia dois de fevereiro e tinha saída prevista para aquele mesmo dia. Daí o motivo pelo qual apenas dez tripulantes estavam a bordo ou nas dependências das distribuidoras de gás no momento do acidente. Também fica justificada a ansiedade de Odílio Garcia em ver terminada a descarga do navio para, no curto prazo de tempo entre o final dos trabalhos de descarga e os procedimentos para a saída do navio (que dependia da tábua da maré), poder ver seus familiares que residiam no bairro Vila Operária. Para ganhar tempo, chegou a deixar encomendada a corrida de táxi. Queria fazer uma surpresa a todos.
O navio Petrobras Norte foi construído na Alemanha em 1955, empregava uma tripulação de 26 homens e era comandando por Agnaldo Braga. Estava incorporado à Fronape – Frota Nacional de Petroleiros, empresa vinculada à Petrobras. Em Itajaí, os navios da Fronape eram agenciados pela Companhia Comércio e Indústria Malburg, mas logo após o sinistro (dia 27 de fevereiro) a empresa comunicou à praça que transferiu o agenciamento dos seus navios à Navegação Antônio Ramos S/A.
O Petrobras Norte tinha uma rota que incluía os portos de Salvador, Rio de Janeiro, Itajaí e Porto Alegre. Sua base operacional estava localizada no Porto do Rio de Janeiro. Em Porto Alegre, descarregava em média 800 toneladas de gás. E foi neste porto que Odílio Garcia embarcou no navio entre os dias 16 e 20 de janeiro de 1965, em substituição ao bombeador que ficara seriamente enfermo.







CAUSAS DO INCÊNDIO:
Uma das grandes incógnitas contidas no rol dos acontecimentos de dois de fevereiro diz respeito às causas do incêndio do Petrobras Norte. Até a Marinha de Guerra do Brasil, que tinha instaurado inquérito para apurar as causas, acabou arquivando todo o processo, sem ter em mãos uma conclusão, conforme afirma a jornalista Tayana Cardoso de Oliveira:
[...] o Tribunal Marítimo arquivou o processo número 5.469, que buscava as causas do incêndio no petroleiro. Não havia provas suficientes para responsabilizar alguém: “os incêndios, segundo a maioria dos autores, destroem as provas que conduziriam a conclusões inapeláveis.”
Muitas pessoas acreditam que a causa inicial do incêndio tenha sido a queda, dentro do navio, da parte incandescente de fogo de artifício lançado pelo passageiro de uma embarcação que acompanhava a procissão marítima em homenagem à Nossa Senhora dos Navegantes. Esta versão ganha força justamente porque o incêndio ocorre quase que imediatamente após o barco que ia à frente, conduzindo a imagem da santa padroeira, passar pelo terminal no seu trajeto de retorno ao centro de Navegantes.
Contudo, a versão mais lembrada nos depoimentos é aquela que aponta como causa principal do acidente o rompimento da mangueira por onde era transferido o gás do navio para os terminais da Liquigás e Heliogás. Confirmar esta versão, contudo, é aceitar o fato de que houve falha humana, uma vez que o rompimento do conduto se deu porque, ao baixar a maré, o cabo que mantinha o navio próximo ao terminal afrouxou, possibilitando que a embarcação se afastasse do cais e esticasse em demasia a mangueira que, não suportando a pressão, arrebentou.
MORTOS E FERIDOS:
Embora todos associem o incêndio do Petrobras Norte apenas à morte de Odílio Garcia, infelizmente mais pessoas perderam suas vidas naquele dia fatídico. Segundo consta nas notas oficiais publicadas nos jornais pelo Corpo de Bombeiros e pela Petrobras, ao todo cinco pessoas perderam a vida no incêndio.
Apesar de os jornais e as instituições oficiais do Estado divulgarem listas com nomes diferentes e até trocados, como é o caso de Jonas Tenório Cavalcante, que aparece em algumas listas como João Tenório Cavalcante, com certeza cinco tripulantes do Petrobras Norte morreram em decorrência do sinistro. São eles: Odílio Garcia (bombeador), Jonas Tenório Cavalcante (marinheiro), João de Melo (contra-mestre), Sebastião Wanderley Cordeiro (terceiro-maquinista) e Antonio Alves de Oliveira (chefe de cozinha).
Odílio Garcia faleceu nas dependências do Hospital Marieta Konder Bornhausen, enquanto que o chefe de cozinha do Petrobras Norte, Antonio Alves de Oliveira, (que foi internado em Itajaí, mas posteriormente foi transferido para o Rio de Janeiro para continuar o tratamento de saúde) faleceu meses depois no Estado da Guanabara, tendo como causa imediata os ferimentos sofridos durante o incêndio, uma vez que inalou muito gás e teve o funcionamento de seus pulmões completamente comprometido. Jonas Tenório Cavalcante, João de Melo e Sebastião Wanderley Cordeiro, morreram no local do sinistro. Pelo menos dois deles tiveram seus corpos recolhidos das águas do Itajaí-açu.
Por outro lado, foram internados no Hospital Marieta Konder Bornhausen, com ferimentos que não apresentavam risco de vida, os tripulantes Edson Florêncio dos Santos (imediato), José Morais (marinheiro) e José Justino de Oliveira (cabofoguista), além de Adolfo Manoel de Freitas (funcionário da Heliogás). Já o bombeiro da Liquigás, João da Rocha, foi internado em um hospital na cidade de Blumenau.
DEPOIMENTOS:
ARISTILIANO LADISLAU DE MELLO:
Para mim o incêndio ocorreu no dia 31 de janeiro de 1965 e não no dia dois de fevereiro como dizem. Eu ia tocar uma “soirée” em Balneário Camboriú e, quando cheguei na rua Blumenau para pegar o ônibus para ir até a rodoviária, eu ouvi uma gritaceira e voltei para casa. Estava tudo interditado. Não tinha mais ônibus circulando devido ao engarrafamento. Foi um desespero total, com gente correndo e gritando. Teve um vizinho meu, o seu Antônio, que colocou a gaiola com o seu passarinho de estimação no bagageiro da bicicleta e sumiu. A minha mãe estava vindo de trem de Rio do Sul e, ao chegar na estação de Gaspar, ela viu o clarão da explosão do navio. Naquela mesma noite, escutei na Rádio Nacional o Repórter Esso, com Heron Domingues, dizendo que Itajaí estava em estado de calamidade pública devido a uma catástrofe. A Rádio Nereu Ramos, de Blumenau, veio a Itajaí fazer a cobertura da tragédia com o Nelson Rosenbrock ou o Rodolfo Sestren (fiquei um pouco em dúvida). Na Rádio Clube, um dos locutores que mais atuou na cobertura do incêndio foi Marinho Lopes Stringari. (Depoimento concedido em 2002)
EDISON D’ ÁVILA:
Eu tinha cerca de 17 anos quando aconteceu o incêndio do navio. Morávamos na Vila (na Rua José Eugênio Muller, próximo ao Lito Seara) e, no final da tarde do feriado consagrado a Nossa Senhora dos Navegantes, fomos surpreendidos por um imenso clarão no céu da cidade (eu não me lembro de ter ouvido estrondo). Logo em seguida, nos inteiramos um pouco mais sobre o episódio através das rádios. Elas colocaram no ar sucessivos “plantões extraordinários” e abriram cada vez mais espaço em suas programações para os comentários dos locutores que visitavam o local da tragédia e traziam as informações. Assim ficamos sabendo que se tratava de um incêndio, de grandes proporções, em um navio carregado de gás. Os locutores alertavam a população para a possibilidade de o navio de gás explodir, levando pelos ares os terminais de derivados de petróleo localizados na região de Cordeiros, colocando toda a cidade em enorme perigo.
O comentário na vizinhança era de que toda a cidade seria arrasada e o petróleo incandescente escorreria pelas ruas da cidade. Diante da hipótese de ocorrer uma verdadeira catástrofe, muitas pessoas abandonaram as regiões Norte e Centro da cidade, procurando a estrada de Brusque ou a região da Fazenda, bem como os municípios vizinhos de Balneário Camboriú e Vila de Camboriú.
O meu pai fez contato com meus tios, e eles decidiram que nós devíamos fugir para Balneário Camboriú. Para a casa de um amigo da família. Só que não tínhamos como fugir. Fomos a pé, correndo ou em passos apressados, da Vila Operária até a rodoviária, que ficava no centro da cidade (no atual Centro de Abastecimento Prefeito Paulo Bauer). Levávamos apenas algumas sacolas de roupa e alguns valores que tínhamos em casa.
Ao chegar no local, pudemos constatar que a rodoviária já estava apinhada de gente querendo passagem para Camboriú e adjacências.
Os ônibus saíram cheios, mas meu pai conseguiu as passagens e fomos para Balneário Camboriú. Dormimos em Balneário e de lá acompanhamos o noticiário pelo rádio, oportunidade em que ficamos sabendo que a cidade havia sido salva pela ação de um marinheiro que tinha fechado a mangueira e, nesta operação heróica, tinha comprometido a sua própria sobrevivência, estando internado em estado grave no Hospital Marieta. (Depoimento concedido em 2002)
MARIA ROSA HELENO SCHULTE:
Eu morava na Joca Brandão, na esquina da Sete de Setembro onde hoje tem o posto da Texaco. Morava em Itajaí há apenas três anos, estava grávida de três meses. Naquele final de tarde, eu estava na janela da sala, virada para a Avenida Joca Brandão, quando comecei a perceber uma movimentação mais intensa nas duas avenidas: passava gente correndo, gente de carroça, bicicleta, e até um senhor carregando alguns pertences pessoais em um carrinho de mão. Aí eu perguntei o que estava ocorrendo e eles perguntaram se eu também não ia subir o Morro da Cruz. Um senhor me contou que as pessoas estavam correndo porque pegou fogo em um navio. Foi aí que tivemos a idéia de nos reunir na casa da vizinha, Emília Bonanoni, para rezar o terço para livrar a cidade da catástrofe.
Depois de dois dias, eu fui me apresentar na escola isolada de Cordeiros (começamos as reuniões para preparar o início do semestre letivo) e as crianças contavam suas histórias e da família. Muitos fugiram a pé para Toca da Onça (São Roque) e Espinheiros.Teve um menino que contou que a mãe foi no galinheiro e pensou em primeiro lugar em garantir a comida da família. Outro contou que o pai, na pressa de fugir, ficou esfolado em uma cerca de arame, machucando o peito. No outro dia, ao retornarem às suas casas, muitas pessoas passavam pelo pasto de Cordeiros para procurar sapato, roupa e coisas que caíram na corrida por dentro do mato e do vassourão. Correram todos, pobres e ricos, do bairro e do centro. (Depoimento concedido em março de 2002)
NOEMI DOS SANTOS CRUZ:
Naquele final de tarde estava voltando de Porto Belo para Itajaí. Próximo à região da Praia Brava percebi que algo anormal estava ocorrendo, porque um grande número de pessoas, inclusive pedestres e ciclistas, se dirigiam a Balneário Camboriú.
Quando cheguei no topo do Morro Cortado, vi um grande clarão sobre a cidade e exclamei:
- “Meu Deus, Itajaí está pegando fogo!”
(Depoimento concedido em novembro de 2001)
PAULO MAES:
Eu e meus amigos estávamos no Cine Luz, quando saímos do cinema e escutamos as pessoas dizendo que havia ocorrido uma explosão. Nós pegamos o ônibus às 20h30min, descemos na Rua Blumenau e começamos a encontrar muitas pessoas vindo em sentido contrário, carregando seus pertences.
Ao entrar em casa, vi todos muito apreensivos, e meus pais queriam reunir a família, a fim de deixarem o local. Mas, no final, meu pai decidiu ficar ali no bairro São João mesmo. Então, escapei pelos fundos da casa e fui em direção a Cordeiros para ver o que de fato estava acontecendo. Quanto mais me aproximava, mais pessoas eu encontrava dizendo para eu voltar.
Fui até a ponte velha, ela tinha uma grande elevação e de cima dela consegui ver realmente o que estava acontecendo. Ali, também pude observar o trabalho dos radialistas que assustavam as pessoas, dizendo que tudo iria explodir. Estimulavam as pessoas para que corressem.
Um radialista em especial me chamou a atenção por ser folclórico, gostava de fazer sensacionalismo. Ele gritava no microfone com pavor e emoção, fazendo quem estava escutando a rádio se sentir cada vez mais próximo do fim. Era o Manuel Vieira, o Vieirinha, locutor esportivo da Rádio Difusora, que narrava o fato como se fosse uma partida de futebol.
O calor era muito intenso e no local tinha vários tanques de combustíveis e vários cilindros de gás. Eu me lembro das grandes labaredas que se formavam e que aos poucos foram sendo apagadas pelos bombeiros de toda a região. (Síntese do depoimento concedido à jornalista Bianca Aline Rossi em 2001)
VALDIR COELHO:
Eu trabalhava domingo sim, domingo não. Naquele dia, havia uma chuva miúda e roncava trovoada. A gente não tinha terminado a descarga do navio quando o mangote arrebentou. Ninguém sabe como isso aconteceu, mas eu digo que o navio se afastou um pouco da margem e forçou o mangote. A pressão do gás fez o tubo ficar saracoteando, batendo no casco do navio, e qualquer faísca pode ter iniciado o fogo. Daí veio a primeira explosão. As chamas e o calor eram tão fortes que ninguém conseguia fechar a saída do gás. Era preciso atravessar uma parede de fogo para chegar ao registro principal do petroleiro [...]
O Odílio morreu na mesma noite. Ele evitou que fosse tudo pelos ares naquela hora, mas o fogo não apagou [...] O Corpo de Bombeiros de Itajaí havia chamado as guarnições de Florianópolis, Blumenau e Joinville para combater o incêndio. Quanto mais água se lançava no fogo, mais as chamas levantavam. As explosões continuavam ... Como não havia o que fazer pelo navio, decidimos utilizar a água para esfriar nossos tanques, que já estavam superaquecidos. Eu fui até em casa – morava em Cordeiros, como a maioria dos funcionários das empresas de combustível -, e minha família já estava se preparando para fugir. Ajudei a por umas coisas no caminhão e voltei para a empresa. O calor era insuportável, ninguém sabia por quanto tempo ainda dava para evitar a explosão dos reservatórios [...]
Passei a noite tentando esfriar os tanques [...] Comíamos sanduíche com Coca-Cola que a Liquigas distribuía. Chegaram as pessoas da diretoria de São Paulo e pediram para a gente ficar e fazer o que era possível. O incêndio foi até filmado. A cada explosão estouravam os vidros do escritório da empresa. Era um inferno, quase todo o bairro estava vazio [...] Eu tinha levado meu radinho de pilha para acompanhar os noticiários de esporte no domingo e acabamos escutando as notícias. O pessoal mandava todo mundo fugir, diziam que o bairro inteiro iria explodir. Daí foi uma correria ainda maior. Minha mãe, que morava a 40 quilômetros dali, ficou apavorada. Ela também acompanhava as notícias e notou que muita gente passava pela estrada do Ribeirão do Meio. [...] O pessoal se meteu no meio do mato, teve gente que até se perdeu. Os caras da rádio fizeram o maior alarde, apavoraram meio mundo. (Depoimento concedido à jornalista Tayana Cardoso de Oliveira em 1987)
SÍLVIO KURTZ:
Eu estava em casa, quando ouvi pelo rádio o pessoal do plantão de notícias me convocando para cobrir o incêndio. Acontece que eu morava na Osvaldo Reis (na Figueirinha, hoje mais conhecida como Fazendinha). Tentei chegar no prédio da Rádio Clube (que ficava na Rua Pedro Ferreira, esquina com a Samuel Heusi) o mais rápido possível, mas, mesmo de Lambreta, foi muito difícil porque o povo estava descendo de Cordeiros para o Centro em grande número.
Na rádio, me inteirei dos detalhes e segui, em companhia do Marinho Lopes Stringari, até Cordeiros. O maior problema foi o trânsito na Rua Blumenau, que ficou engavetado por horas. Como nós estávamos de Lambreta, muitas vezes conseguimos passar na contramão e por cima da calçada, e fomos em frente. O pessoal que estava deixando a Zona Norte da cidade insistia para que não fôssemos para o local. Um ouvinte me aconselhou: “Volte, Sílvio! Pelo amor de Deus, vai explodir tudo”.
Lá em Cordeiros conseguimos conectar o nosso equipamento ao telefone do terminal da Shell e transmitimos o primeiro boletim por volta das 18h40min ou 19 horas.
A impressão que tínhamos, devido ao clarão e ao calor, era que toda a Liquigás estava pegando fogo. Eu lembro ainda que, no momento que estávamos preparando nosso equipamento, uma pessoa nos alertou sobre o perigo que estávamos correndo, porque podia pegar fogo em tudo: “Saiam daqui porque Cordeiros pode sair do mapa”.
Eu não tinha dúvida de que a situação era grave, por isso mesmo eu pedi pelos microfones da Rádio Clube que o povo evacuasse Cordeiros. Na minha opinião a cidade não corria tanto risco, mas Cordeiros sim, com certeza. Eu realmente usei por diversas vezes a expressão: “Por favor, corram! Deixem suas casas! Cordeiros pode sair do mapa. Corram, porque se o fogo se alastrar Cordeiros vai sair do mapa!”. Eu tinha de falar isso, porque realmente a situação era desesperadora. O que víamos era muito sério. Quem estava tão próximo do incêndio não tinha como não usar essa expressão de pavor, porque o fogo refletia na água e dava a impressão de que vinha para cima da gente. Era algo realmente muito forte e desesperador.
Depois de transmitir o boletim pelo telefone da Shell, seguimos para o porto da balsa, porque do local podíamos visualizar melhor o que estava ocorrendo na Liquigás. Nesse momento, vimos algumas explosões e muita gente correndo. Entrevistamos algumas pessoas e encerramos a transmissão. A Rádio continuou dando cobertura do incêndio, contando com a participação de ouvintes que telefonavam para o estúdio.
Quando voltei para casa, pude observar que o Morro Cortado tinha virado uma grande arquibancada. O povo da região e um grande número de pessoas que tinham abandonado suas casas na Zona Norte ficaram no local, porque dali podia se ver muito bem Cordeiros. No dia seguinte a Clube continuou a divulgar os fatos referentes ao incêndio do Petrobras Norte, apesar da dificuldade que nosso pessoal encontrou para chegar ao local. Marinho Stringari, Afonso Luiz e Ribeiro Luz foram até Cordeiros e falaram por telefone, orientando a população para voltar às suas casas, enquanto que eu e o Osvaldo Vieira ficamos no estúdio da Rádio. (Depoimento concedido no mês de maio de 2002)
A IMPRENSA - Sensacionalismo:
O veículo de comunicação de massa da época era o rádio. A televisão ainda não tinha chegado à Itajaí e os jornais sofriam sérias dificuldades técnicas, tanto no setor de impressão quanto no de distribuição. Basta lembrar que o principal jornal diário que circulava em Itajaí era A Nação, que simplesmente não circulou no dia três de fevereiro, porque no dia dois, uma terça-feira, foi feriado nas cidades de Itajaí e Navegantes.
A penetração do rádio junto à comunidade local realmente era intensa. Para se ter uma noção exata da influência do rádio sobre o comportamento das pessoas e das instituições, basta lembrar que a Guarnição do Corpo de Bombeiros de Blumenau já estava preparada para se lançar em socorro à cidade de Itajaí até mesmo antes de receber um comunicado oficial do Governo do Estado e dos próprios bombeiros de Itajaí. Segundo se comenta, ao ouvirem o radialista Afonso Luiz dar seu primeiro depoimento na Rádio Nereu Ramos, os bombeiros blumenauenses já tinham se motivado a promover esta arriscada empreitada.
Por muito tempo os radialistas de Itajaí foram acusados de terem promovido uma cobertura sensacionalista dos acontecimentos. Algumas autoridades, mais exaltadas, chegaram a afirmar que o comportamento leviano dos profissionais do rádio colocou em perigo a vida de milhares de cidadãos itajaienses. Os dois principais jornais de Itajaí, Jornal do Povo e A Nação, foram unânimes em condenar esta prática jornalística, principalmente o jornal A Nação.
O jornal A Nação, por exemplo, publicou diversas matérias sobre o assunto, que mereceu manchetes do tipo: “MUITA BALBÚRDIA E SENSACIONALISMO”, ou “HOUVE MUITO SENSACIONALISMO”, e “ONDA DE SENSACIONALISMO EM TORNO DO INCÊNDIO OCORRIDO A BORDO DO NAVIO DE GAZ NORDESTE”
A imprensa nacional também deu destaque para o incêndio do Petrobras Norte. A principal revista brasileira da época O Cruzeiro, por exemplo, publicou com destaque uma matéria assinada pelo jornalista Tito Tajes, com fotos de Umbelino Cidral (Beline) e de Vicente Brigoni, do laboratório “Foto Mara”.

"O CRUZEIRO" PELO BRASIL E PELO MUNDO:

“O PROPANEIRO Petrobrás-Norte, atracado no rio Itajaí-Açu, estava cumprindo normalmente sua missão: fizera escala naquele porto para, em seguida, demandar Porto Alegre, depois de descarregar 350 toneladas de gás liquefeito. À tarde, enquanto o gás era bombeado para os tanques de terra, passara pelo barco a procissão fluvial dos Navegantes, conduzindo a imagem da Santa protetora dos homens do mar. O propaneiro, unindo-se ao Coro de apitos dos navios ancorados, saudou-a festivamente. Quase noitinha, a satisfação dos tripulantes aumentara, quando o Comandante anunciou o adiamento da partida. Principalmente, o bombeador Odílio Garcia ficou muito alegre, pois poderia visitar sua família, mãe e oito irmãos, em Itajaí, e participar também em terra da festa da Padroeira dos Navegantes.
As vinte horas soaram, porém, fatidicamente. Explosões violentas sacudiram o cais e a redondeza, chamas gigantescas subiram ao céu na terminal de gás das companhias Heliogás e Liquigás. Houve o alarme e o pânico: a alguns quilômetros da terminal, depósitos da Shell, Esso e Atlantic poderiam ser contaminados, com a violência das chamas. A bordo a luta era contra o fogo e pela vida. Dos seis tripulantes da descarga apenas três apareceram, inclusive Odílio Garcia, que se lançou heroicamente às chamas para fechar as válvulas, gesto que lhe custou a vida horas depois, vítima de terríveis queimaduras.
O navio continuou a arder toda a noite e só no dia seguinte pôde ser rebocado para lugar ermo, ainda com 500 toneladas de gás nos tanques abaixo da linha de flutuação. Na explosão do Petrobrás-Norte, em cuja proximidade se encontrava o petroleiro Paraná, morreram ainda mais dois companheiros de Odílio, o audacioso herói que, com sua bravura, salvou talvez Itajaí de um pavoroso incêndio de proporções gerais.”
CONCLUSÃO:
Ao voltar nossos olhares para o que aconteceu no dia dois de fevereiro do ano de 1965 é bom lembrarmos também que a cidade de Itajaí mudou substantivamente nestes anos, em especial no setor econômico. Naquela época Itajaí era um grande depósito de madeira. Os bairros São João e Vila Operária, e até várias áreas que hoje integram o centro da cidade, como é o caso da Avenida Marcos Konder e a tradicional Rua Uruguai, abrigavam madeireiras que mantinham pátios cobertos por longas e altas pilhas de madeira que eram exportadas para praticamente todos os continentes, em especial a Europa.
Na década de 60, a população de Itajaí estava estimada em cerca de 60 mil habitantes, sendo que dois terços vivia na zona urbana. Seu porto experimentava um período de expansão, justamente devido ao ciclo da madeira.
Então, ao analisarmos os fatos ocorridos em dois de fevereiro não podemos deixar de ter em mente a geografia econômica da cidade. Diante da possibilidade de o fogo ser trazido pela correnteza do rio até o centro da cidade, parece inevitável prever o pior, ou seja, que o fogo teria grande facilidade de tomar as áreas ribeirinhas e em seguida atingir as incontáveis pilhas de madeira, pondo em risco a vida de todos.
Temos de lembrar ainda, que em ocasiões como estas, não só o fogo oferece perigo para as pessoas, mas outros elementos também contribuem para piorar a situação, como é o caso do próprio desespero de uma grande quantidade de pessoas (que acabam tomando atitudes sem qualquer racionalidade, dominadas pelo pânico). Outro ponto a considerar seria a intoxicação de muitas pessoas pela grande quantidade de fumaça oriunda da queima da madeira.
Assim, não nos parece terem sido descabidas ou sensacionalistas as orientações prestadas à população por parte dos locutores de rádio. Agora, passados tantos anos, se torna mais complexo entender seus motivos, porque as circunstâncias felizmente conspiraram contra a ocorrência de uma grande catástrofe. Mas poderia ter sido diferente. E se assim fosse, Sílvio Kurtz, Afonso Luiz, Vieirinha, Marinho Lopes Stringari e seus companheiros de microfone, hoje seriam saudados em praça pública como os heróis que salvaram muitas vidas.
Mas o Petrobras Norte não explodiu e sequer arrebentou suas amarras indo de encontro ao Petrobras Paraná. O óleo não desceu rio abaixo, os terminais e as madeireiras tiveram suas estruturas preservadas e populares sequer foram intoxicados pela fumaça. Assim, tudo ficou no campo da hipótese e os radialistas passaram à história como alarmistas e sensacionalistas. Contudo, sabemos que os voluntários do Corpo de Bombeiros não tinham equipamentos adequados para combater o incêndio e sequer tinham recebido treinamento para tal circunstância. Do mesmo modo, o hospital da cidade não estava preparado para atender um número expressivo de vítimas. Sendo assim, como prever que tudo ficaria sob controle? Diante da dúvida, não foi melhor prevenir? Claro que foi! (Magru Floriano)
ODILIO GARCIA - UM HERÓI ANÔNIMO (Émerson Pedro Ghislandi)
Foi em meados da década de 60. Itajaí, com seus 60 ou 70 mil habitantes, esboçava os primeiros passos rumo ao desenvolvimento, impulsionado principalmente pela fecunda atividade pesqueira e pelo seu porto mercante. Era uma cidade pacata, provinciana, características que até os dias de hoje, indelevelmente, ainda mantém. Mas naquela época, nem mesmo a Rua Brusque, uma das principais artérias da cidade, possuía calçamento. Era ali que minha família morava, há longos anos, e onde a quietude era quebrada pela passagem, às vezes tímida, às vezes alvoroçada, de cavalos a puxar carroças ou carros de mola. Eu deveria ter meus sete anos de idade e de travessuras. De pés descalços, gostava de brincar na chuva e de sentir o cheiro da terra levantando ao sabor da água que caía.
Foi um final de tarde, lembro-me bem. A calmaria foi quebrada por fortes estampidos, vindos não sabia de onde, mas que chegavam a iluminar as encostas do Morro da Cruz. Era mágico e assustador ao mesmo tempo. Mas o que seria aquilo? Era o que todos se perguntavam. Boa coisa não seria. De repente veio a notícia apocalíptica. Um navio que descarregava um carregamento de gás nos terminais da Heliogás ardia em chamas. E o fogo, caso não fosse contido a tempo, tomaria conta da cidade. A catástrofe se prenunciava porque a Heliogás se localizava justamente nos Cordeiros, em meio aos terminais petrolíferos da Texaco, Shell, Ipiranga e Atlantic.
Foram horas de desespero. As pessoas corriam apavoradas, mulheres carregavam trouxas de roupas nas costas, filhos nos braços. Caminhões com suas carrocerias lotadas só tinham um destino: fugir do fogo, fugir da cidade que seria riscada do mapa. A tragédia estava estampada nos semblantes aflitos. Um vizinho ofereceu seu caminhão para que fugíssemos juntos, as duas famílias, para Balneário Camboriú. Mas não seria para tanto, dizia meu pai, propenso a esperar o desenrolar dos acontecimentos.
Com o passar das horas, os reflexos de luzes no Morro da Cruz, contrastando com o negrume da noite que avançava, foram se amainando, se amainando, até desaparecerem por completo. Depois se soube. O bombeiro do navio, encarregado de bombear o gás para os tanques da Heliogás, havia investido contra as chamas ardentes e fechado as válvulas que davam vazão ao gás, evitando que a tragédia se consumasse. Logo em seguida ao ato heróico, ele jogou-se nas águas do rio Itajaí-açu, de onde foi retirado quase sem vida, com queimaduras generalizadas que cobriam de bolhas todo o seu corpo. Levado ao hospital, não resistiu e morreu.


Como prêmio pelo seu heroísmo e coragem, ele teve seu nome dado a uma rua da cidade. Rua Odílio Garcia, uma rua de subúrbio, no bairro de Cordeiros, próximo ao local onde, despojando-se do medo, doou a própria vida para salvar dezenas, centenas, quem sabe milhares de vidas. A empresa onde Odílio Garcia trabalhava negou à sua família qualquer indenização. Ofertou sim, ao pai de Odílio Garcia, uma medalha de honra ao mérito para que fosse colocada no túmulo do filho. Nada mais. E nos anais da história de Itajaí, nenhuma linha, sequer, foi escrita. Nenhuma homenagem, nenhum busto. Só restou o esquecimento. (Crônica escrita em 1993, quando Émerson Ghislandi era aluno do Curso de Jornalismo da Univali)
HOMENAGENS:
Odílio Garcia recebeu poucas, mas marcantes homenagens da cidade onde morou por muitos anos e pela qual deu sua vida.
A primeira grande homenagem foi realizada no dia 04 de maio de 1965, quando o prefeito Eduardo Sólon Cabral Canziani sancionou a lei de número 640, denominando de Odílio Garcia a rua localizada defronte aos terminais da Liquigás, em Cordeiros.
A segunda grande homenagem teve início no dia 27 de dezembro de 1999, quando a Câmara de Vereadores aprovou o Projeto de Lei de número 108/99 denominando o Parque Náutico de Cordeiros como Parque Náutico Odílio Garcia. No dia 28 de dezembro, o prefeito Jandir Bellini sancionou a Lei número 3.472 , oficializando a iniciativa da Câmara. Em 02 de fevereiro de 2000, na presença de todos os familiares de Odílio Garcia, foi descerrada a placa em sua homenagem na praça do Parque Náutico e depois promovida uma exposição fotográfica nas dependências da Casa da Cultura.

(Fonte: http://soupapasiri.blogspot.com - sendo utilizado como sua fonte: Magru Floriano. Itajaí em Chamas. Itajaí: Alternativa, 2002.)

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